Cada vez que o trem parava na pequena localidade de Commercy, perto de Meuse, na região da Lorena, nordeste da França, os passageiros enfrentavam a abordagem insistente das vendedoras ambulantes que ofereciam a célebre atração local: madeleines, bolinhos doces assados no forno, com a superfície estriada e o formato de concha de vieira, à base de farinha de trigo, manteiga, ovos e açúcar, aromatizados com casca de limão ou água de flor de laranjeira.
Como a escala era breve, cada mulher gritava o nome da especialidade e de seu respectivo produtor, pois havia pouco tempo para fechar negócio. Transportando cestos de vime repletos de caixas de madeira com aqueles bolinhos rechonchudos, elas conseguiam vender quase toda a produção na gare, até porque os passageiros do trem se divertiam com o assédio. Era o mais famoso show da rede ferroviária francesa. Repetiu-se desde a inauguração da estrada pelo imperador Napoleão III, em 1852, até a deflagração da 2ª Guerra Mundial, em 1939, quando o conflito militar fez a Europa perder a graça.
Já se atribuiu a invenção das madeleines a Jean Avice, talentoso confeiteiro do século 19, que trabalhou para o príncipe Talleyrand-Périgord, político e diplomata francês, ministro de Napoleão Bonaparte; a Antonin Carême, seu dileto aluno, considerado o maior chef de todos os tempos; e também a uma mulher chamada Madeleine, que a usaria para alimentar os peregrinos do Caminho de Santiago, a longa rota votiva que atravessa o norte da Espanha a partir da fronteira com a França, em direção a Santiago de Compostela, na Galícia, cujo símbolo é justamente uma concha de vieira. Hoje, porém, ninguém duvida que as madeleines surgiram para deliciar Stanislas Leszczynski, soberano deposto da Polônia, a quem o genro Luís XV, rei da França, tentou fazer esquecer a perda do trono concedendo-lhe o ducado da Lorena. Respeitado gastrônomo, dotado de extraordinário apetite, obeso assumido, seu nome costuma ser associado a outras invenções notáveis, como o babá ao rum, pequeno bolo de massa fermentada, em formato de cogumelo, regado com uma calda do destilado que lhe dá nome. Foi a sobremesa do filme A Festa de Babette, do diretor dinamarquês Gabriel Axel, ganhador do Oscar de melhor fita estrangeira em 1988.
A versão mais difundida para a origem das madeleines conta que, em 1755, numa situação de emergência, pois o confeiteiro titular faltara ao serviço, uma jovem empregada da marquesa Perrotin de Baumont preparou a receita da avó para um banquete em homenagem a Stanislas. O ex-rei e então duque de Lorena adorou a novidade e quis conhecer a autora, perguntando-lhe o nome, onde nascera e como se chamava a invenção. Ela disse chamar-se Madeleine Paulmier e revelou ter nascido em Commercy. Como o bolinho não possuía nome, Stanislas o batizou: “Vai se chamar madeleine de Commercy”. No dia seguinte, enviou a novidade para a filha comilona, Maria Leszczynski, mulher de Luís XV, na Corte de Versalhes. Até a morte do duque de Lorena, em 1766, a receita permaneceu secreta.
Para alguns pesquisadores, foi Pantaléon Colombé, patriarca de uma família de confeiteiros e padeiros, quem a liberou ao conhecimento público. Segundo o historiador Charles Dumont, as madeleines de Commercy só começaram a fazer sucesso na França em meados do século 19, com a inauguração da estrada de ferro. Em 1939, ainda resultavam de produção artesanal, preparadas por seis confeiteiros, que elaboravam diariamente cerca de 2.500 bolinhos. Existem também as madeleines de Liverdum, igualmente na Lorena, porém menos conhecidas.
Entretanto, o mais destacado protagonista da história da especialidade foi o escritor francês Marcel Proust. No Caminho de Swann, primeiro dos sete volumes da obra-prima Em Busca do Tempo Perdido, ele conta como conheceu as madeleines e revela o prodígio que operaram em sua vida e arte. Num dia de inverno, chegando em casa com frio, a mãe lhe deu o bolinho acompanhado de uma taça de chá. Ao levar um pedaço à boca, amolecido pela bebida, veio-lhe à mente não apenas a lembrança do passado, mas a sensação de resgatar a própria infância. A madeleine tinha o mesmo sabor da que sua tia Léonine lhe oferecia todo o domingo de manhã, anos antes. Essa metáfora do paladar revivido, uma experiência desprezada por tantos adultos, pode ser interpretada como a vitória da memória sobre a sovinice do tempo.
Uma coisa é certa: Proust ingressou tardiamente na saga do bolinho, mas sem ele as madeleines não obteriam a mesma fama internacional.